A vida de Tolkien [Parte CXXXIX]:
Simbora para Terra-Média, galera?
Nossa primeira viagem do ano será bastante especial. Veremos Boca de Sauron em ação.
Antes de começarmos, compartilharei algumas informações com vocês.
Antes que prossigam, devo alertá-los sobre algo importante. Apesar da informação estar nos apêndices de O Senhor dos Anéis, ela é um spoiler da série Anéis do Poder. Portanto você que não quer saber um pouco da segunda temporada da série não prossiga a leitura.

Aqueles que viram a primeira temporada da série supracitada, sabem que o homem acima é Ar-Pharazôn. A princípio, ele é apenas um chanceler de Númenor. No entanto é bastante ambicioso, então concluímos que logo trocará de cargo. Não age somente por seu reino. No entanto esse episódio é sobre Boca, então o que ele tem a ver com o personagem em questão?
Por conta de sua ambição, Boca quase se tornou o penúltimo numenoriano negro. Porém não quero dar muito spoiler da série, então não posso adiantar muito mais. Veremos um pouco de Boca em ação. Vamos à página 178 de O Retorno do Rei:
Fez-se um longo silêncio, e não se ouviu nenhum som em resposta, da muralha ou do portão. Mas Sauron já fizera seus planos, e tinha em mente primeiro brincar cruelmente com aqueles camundongos antes de iniciar a matança. Foi assim que, exatamente quando os Capitães estavam prestes a virar as costas, o silêncio foi subitamente quebrado. Veio um longo retumbar de grandes tambores, como trovões nas montanhas, e então um zurrar de cornetas que fez tremer as próprias pedras e feriu os ouvidos dos homens. E então a porta do meio do Portão Negro se abriu com um grande clangor, e de lá saiu uma embaixada da Torre Escura. Como seu líder veio cavalgando um vulto maligno, montado num cavalo negro, se aquilo era um cavalo, pois era enorme e hediondo, e sua cara uma máscara horripilante, mais parecendo um crânio que uma cabeça viva, e das covas de seus olhos e de suas narinas saía fogo. O cavaleiro estava todo vestido de negro, e negro era seu elmo imponente; mas este não era um Espectro do Anel, e sim um homem vivo. Era o Tenente da Torre de Barad-dûr, e seu nome não é lembrado em história alguma, pois ele próprio o esquecera, e ele disse: — Sou a Boca de Sauron. — Mas conta-se que ele foi um renegado, que vinha da raça daqueles que eram chamados de numenorianos negros, pois eles estabeleceram suas moradias na Terra-Média durante os dias do domínio de Sauron. E o adoraram, enamorados pelo conhecimento do mal. E ele havia entrado para o serviço da Torre Escura quando esta se ergueu de novo pela primeira vez, e por causa de sua esperteza foi crescendo cada vez mais nos favores do Senhor; aprendeu grandes feitiçarias, e sabia muito da mente de Sauron; era mais cruel que qualquer orc. Era ele que agora saia pelo portão, e com ele vinha apenas uma pequena companhia de soldados arreados de negro, e uma única bandeira, negra e estampada com o vermelho do Olho Maligno. Parando agora a alguns passos dos Capitães do Oeste, ele os olhou de cima a baixo e riu. — Há alguém nesse bando que tem autoridade para dirigir-se a mim? — perguntou ele. — Ou mesmo com capacidade de me entender? Não tu, pelo menos! — caçoou ele, voltando-se para Aragorn com desprezo. — Para se fazer um rei, é preciso mais que um pedaço de vidro élfico, ou uma gentalha dessas. Ora, qualquer bandido das colinas pode exibir tal sequela! Aragorn não disse nada em resposta, mas fixou os olhos do outro e sustentou o olhar, e por um momento os dois lutaram assim; mas logo, embora Aragorn não se movesse nem dirigisse a mão para qualquer arma, o outro vacilou e recuou, como se tivesse sido ameaçado por um golpe. — Sou um arauto e um embaixador, e não posso ser atacado! — gritou ele. — Onde rezam tais leis — disse Gandalf — também é costume dos embaixadores usarem menos insolência. Mas ninguém o ameaçou. Não tem nada a temer de nós, até que sua missão seja cumprida. Mas, a não ser que seu mestre tenha adquirido mais sabedoria, então você, juntamente com todos os servidores, estará em grande perigo. — Então! — disse o Mensageiro. — Este é o porta-voz, velho barba-cinzenta? Será que não ouvimos sobre ti algumas vezes, e de tuas andanças, sempre armando planos e traições a distância? Mas desta vez esticaste o teu nariz longe demais, mestre Gandalf, e verás o que acontece para aquele que tece suas tolas teias diante dos pés de Sauron, o Grande. Tenho provas que me mandaram mostrar a ti — a ti especialmente, se tu ousasses aparecer. — Acenou para um dos guardas, e este veio à frente, carregando um pacote embrulhado em tecido negro. O Mensageiro desembrulhou o pacote, e ali, para a surpresa e frustração de todos os Capitães, ele ergueu primeiro a pequena espada que Sam carregara, e depois uma capa cinzenta com um broche élfico, e finalmente o colete de mithril que Frodo usara, embrulhado em suas vestes rasgadas. Uma escuridão se formou diante dos olhos deles, e tiveram a impressão de que num momento o mundo se paralisara, mas seus corações estavam mortos e sua última esperança desaparecera. Pippin, que estava atrás do Príncipe Imrahil, saltou à frente com um grito de dor.
— Silêncio! — disse Gandalf num tom severo, empurrando-o para trás; o Mensageiro soltou uma alta risada. — Então você ainda tem outro desses moleques! — exclamou ele. – Que utilidade vê neles não posso adivinhar, mas mandá-los como espiões para Mordor superou até sua costumeira loucura. De qualquer forma, agradeço a ele, pois está claro que pelo menos esse pirralho já viu esses símbolos antes, e agora seria inútil você negar. — Não desejo negar nada — disse Gandalf. — Na verdade, conheço-os, e toda a sua história, e apesar de seu desdém, nojenta Boca de Sauron, você não pode dizer o mesmo. Mas por que os traz aqui? — Casaco de anão, capa de elfo, espada do oeste tombado, e espião daquela pequena terra-de-ratos que é o Condado — não, não se assuste! Sabemos muito bem aqui estão as marcas de uma conspiração. Agora, pode ser que aquele que carregava essas coisas fosse uma criatura que vocês não sentissem perder, ou pode ser o contrário: alguém que lhes era caro, talvez? Se for assim, tome resoluções rápidas com a pouca esperteza que lhe resta. Pois Sauron não gosta de espiões, e o destino dessa criatura depende agora de sua escolha. Ninguém respondeu, mas ele viu todos os rostos pálidos de medo e o horror em seus olhos, e riu outra vez, pois pareceu-lhe que sua brincadeira ia bem. — Bem, bem! — disse ele. — Ele lhes era querido, estou vendo. Ou quem sabe sua missão era de tal ordem que vocês não queriam que fracassasse? Pois fracassou. E agora ele deverá suportar o lento tormento de anos, tão longo e lento quanto as artes da Grande Torre podem conceber; nunca será libertado, a não ser talvez quando estiver mudado e destruído, de modo que possa vir até vocês, para que vejam o que fizeram. Isso certamente acontecerá — a não ser que vocês aceitem os termos de meu Senhor. — Diga quais são os termos — disse Gandalf numa voz severa, mas os que estavam perto viram a angústia em seu rosto, e agora ele parecia um homem velho e mirrado, esmagado, finalmente vencido. Ninguém duvidava de que ele fosse aceitar. — Os termos são estes — disse o Mensageiro, sorrindo e encarando-os um a um- : a gentalha de Gondor e seus iludidos aliados devem retirar-se imediatamente para além do Anduin, não sem primeiro prestarem juramento de nunca mais atacar Sauron, o Grande, aberta ou secretamente. Todas as terras a leste do Anduin deverão pertencer a Sauron para sempre, e unicamente a ele. A região a oeste do Anduin, até as Montanhas Sombrias e o Desfiladeiro de Rohan, deverá pagar tributo a Mordor, e os homens de lá não poderão portar armas, mas terão permissão para governar seus próprios assuntos. No entanto, deverão ajudar a reconstruir Isengard, a qual destruíram por capricho, e essa região será de Sauron, e lá seu tenente deverá morar: não Saruman, mas alguém mais digno de confiança. Olhando nos olhos do Mensageiro, todos leram seu pensamento. Seria ele aquele tenente que reuniria tudo o que restasse do oeste sob seu controle seria tirano e eles os seus escravos. Mas Gandalf disse: — Isso é exigir muito pela entrega de um servidor: que seu Mestre deva receber em troca o que de outra forma lhe custaria muitas guerras! Ou será que o campo de Gondor destruiu sua esperança na guerra, e ele agora deu para barganhar? E, se realmente déssemos tanto valor ao prisioneiro? Que garantia teremos de que Sauron, o Mestre Máximo da Traição, manterá sua parte no acordo? Onde está esse prisioneiro? Que o tragam aqui para que o vejamos, e então consideraremos essas exigências. Gandalf, atento, olhando para ele como alguém empenhado em esgrimir com um inimigo mortal, teve a impressão de que, pelo tempo de um suspiro, o Mensageiro ficou perdido; mas rapidamente ele riu outra vez. — Não seja tão insolente a ponto de discutir com a Boca de Sauron! — gritou ele. — Você pede garantias! Sauron não dá nenhuma. Se você implora por sua demência, deve primeiro fazer o que ele ordena. Estes são os seus termos. É pegar ou largar! — Vamos pegar! — disse Gandalf de repente. Jogou para o lado a capa e uma luz branca brilhou como uma espada naquele lugar escuro. Diante da mão erguida do mago, o Mensageiro recuou, e Gandalf, avançando, agarrou e tirou dele as provas: casaco, capa e espada. — Vamos pegar estes em memória de nosso amigo — gritou ele. — Mas, quanto aos seus termos, nós os rejeitamos completamente. Vá embora, pois sua embaixada terminou e a morte se aproxima de você. Não viemos até aqui para desperdiçar palavras fazendo tratos com Sauron, traiçoeiro e maldito, e muito menos com um de seus escravos. Suma daqui!
Acima, temos a única participação de Boca em toda saga do Professor. Apesar dela ser bem pequena, ela é bem marcante. Com sua atitude e fala, ele zomba várias vezes de toda a Comitiva, mostrando o comportamento típico dos vilões rasos. Se acha superior a eles, por isso desrespeita seu sofrimento e luta. No entanto, Senhor dos Anéis não é uma história rasa. Esperava mais de Boca. Deveria ser algo mais do que um debochado. Essa atitude não condiz com tudo o que vimos até agora. Tolkien descreve alguém bastante poderoso. É o segundo em comando em Barad-dûr.
Próximo capítulo, nós faremos uma análise melhor da participação de Boca na saga do Anel. Estudarei mais. Até daqui a quinze dias, amores.